Por alumia
Card copiado do Instagram da Sucesso FM
Machismo, misoginia e homofobia, entre outros preconceitos, são reforçados diariamente na audiência da rádio Sucesso FM, de João Pessoa. Em seu programa ‘E se fosse você?’, que vai ao ar das 9 às 10h, de segunda a sábado, a emissora transmite o que um ouvinte eventual qualificou como “show de horrores, voltado, principalmente, para desqualificar a mulher e pessoas que se relacionam com outras do mesmo sexo”.
O mesmo reclamante, denunciante, pediu ao Alumia monitoramento e avaliação do programa. A equipe de apuração encarregada de atender ao pedido constatou a procedência da reclamação, da denúncia, acompanhando ‘E se fosse você?” em dias alternados das duas primeiras semanas deste mês.
No primeiro programa monitorado, do dia 4, o apresentador Alisson Cardoso narra a história do funileiro ‘Gilmar’, 36 anos, suposta vítima de importunação sexual cometida por ‘Júnior’, após bebedeira em casa. O pretenso importunado pede ajuda para resolver o dilema de explicar à mulher – ou não – porque não quer mais que ela mantenha amizade com a esposa do suposto importunador, que Gilmar tinha na conta de amigo.
Na interação entre locutor e ouvintes, que participam com áudios e ligações, Júnior é exposto inicialmente como “mulherengo, desenrolado, pegador de mulheres, rocheda”. Depois da revelação de que teria tentado contato íntimo com Gilmar, Alisson informa: “Estão dizendo aqui que Júnior é Júnia (…) que não tem nenhuma ferramenta que demonstre que ele seja (…) fanta, coquinha”.
‘Pior parte da história’
Característica do programa, toda narração começa com música suave ao fundo, secundada ou substituída adiante por sons de portas abrindo, passos, gargalhadas… Tudo repentinamente trocado por efeito sonoro de suspense, no exato momento em que o narrador anuncia que vai contar a “pior parte da história”. No caso do funileiro Gilmar, a ‘pior parte’ foi acordar “sentindo uma cosquinha na parada”, com Júnior lhe apalpando “as partes”.
Concluída a narração da história pelo apresentador, a rádio põe ouvintes no ar para o restante da audiência ouvir pessoas chamando Juninho de Juninha, “boiolão”, “esse Juninho queima”, “queima mais que sol de meio-dia” e “vai queimar a rosca logo logo” ou “Júnior gosta é do picolé de carne, é de pegar no cabo da marreta” e “Júnior pula de marcha ré, ele é total flex”.
Garçonete traída
No dia 7, ‘Suelen’, garçonete de “restaurante bastante conhecido aqui de João Pessoa” perguntou se devia mostrar à família de seu ex-namorado que ele é gay, que acabou o namoro depois de perder o rapaz para ‘Leon’ em uma aposta. “Leon (colega de trabalho) tem fama de seduzir os garçons freelancer (…)” e “para provar que tem a fama de pegador, faz apostas (…)” e “toda aposta que ele faz, o peste ganha”, conta a protagonista.
Na “pior parte dessa história”, a moça explica que seu namorado, ‘Gabriel’, arranjou emprego no mesmo restaurante em que ela e ‘Leon’ já trabalhavam. Por indicação dela, que preferiu manter em segredo um namoro já de nove meses. E, por confiar em ‘Gabriel’, apostou com ‘Leon’ que o ‘pegador’ da casa não pegava o garçom novato. Perdeu.
“Eu vi fotos, eu vi vídeos, a combinação que eles fizeram através de áudios e mensagens e, pior, dizendo que passou a noite inteira com ele numa pousada”, relata. Diz ainda que ‘Leon’ mostrou tudo a ela e, ao saber de tudo, ficou plena de ódio, ansiosa “para desmoralizar Gabriel perante a família dele e da galera do restaurante”. Por fim, lamenta que o ex e o colega tenham se adorado e “agora estão juntos”.
Encerrada a contação, o apresentador recrimina a autoconfiança da mulher, diz que ela confiava demais nela mesma, tanto que jamais admitiria ser trocada por “outro”. Em seguida, como quem está olhando foto de Suelen, Alisson exalta atributos físicos da mulher: “Que morena da ‘bixiga’, que galeguinha linda, que bicha gostosa”.
Depois de sua análise, Alisson Cardoso questiona os ouvintes. “E se fosse você?”. Imediatamente, a sintonia é tomada por falas como “deixa esse viado ser feliz com outro”, “esse seu namorado é biba” e “Gabriel virava Gabriela”, entre outras frases típicas que tentam normalizar como ‘engraçadas’ situações semelhantes. Fechando, uma trilha sonora traz canções como ‘Decide aí’, de Matheus e Cauan.
Amante dispendiosa
No programa do dia 9, homem casado trai esposa com Letícia, com quem decide terminar por estar desempregado, sem mais poder bancar despesas da amante com o seguro-desemprego que passou a receber após ser demitido. Findo o romance, sua primeira providência é encerrar a conta no mercadinho onde autorizava a moça a fazer feira. Doravante, disse ao dono do estabelecimento, não pagaria mais qualquer coisa comprada por Letícia.
Faltou combinar, entretanto, com Ana Paula, filha do comerciante, que dias depois vendeu mais de mil reais fiado a Letícia. Cobrado, o cidadão recusa-se a pagar. “Ô, mocinho, ou você paga ou eu vou na casa da sua mulher cobrar lá na frente dela”, ameaça a cobradora. O prazo para quitar a dívida termina no final deste julho, informa o desesperado autor da história, que pateticamente recorre a quem compartilha seu infortúnio: “E agora, o que devo fazer?”.
Nos comentários dos ouvintes, Letícia é tratada como “mulher da zona” e “aproveitadora”, enquanto seu ex-amante é aconselhado a pagar “para não criar uma ‘situação’ com sua esposa” e outro participante recomenda pagar e contar tudo à mulher, confissão que terminaria rimando com conciliação, segundo a expectativa de quem aconselhou desse modo.
Uma babá sedutora
“E se fosse você?” do dia 10 trouxe a história de Lucas, caminhoneiro, casado, pai de filho “planejado”. Ele e a esposa, trabalhadores, têm dificuldade de encontrar alguém para cuidar da criança. Situação que se complica quando repentinamente adoece a sogra, aos cuidados de quem o menino ficava. A mãe pede ajuda a uma sobrinha de 17 anos. A jovem aceita a função de babá, mas, na ausência da tia, tenta seduzir o tio afim.
O apresentador acrescenta à sua narração opiniões nas quais a adolescente é chamada de “bicha gostosa do caramba”, que se comporta “daquele jeito”, mas é “gata, branquinha e de nariz empinado”, lamentando que ela só tenha 17 anos, idade “altamente problemática” para envolvimemnto com homem adulto. O radialista também observa que “meninas mais danadas são as mais fraquinhas”. Ouvintes complementam a avaliação com observações na linha “as moças de hoje em dia não respeitam ninguém”.
Sobre a garota de 17 ‘aninhos’, um dos participantes, ‘Flávio’, vibra por imaginá-la “toda durinha” e “safada”. Já ‘Sandra’ liga para dizer que a mocinha sedutora merecia levar “surra bem dada”, enquanto ‘João’ sugere que melhor é contratar como babá alguma “baranga” (termo pejorativo para mulheres de mais idade).
‘Tânia’, do José Américo (bairro da zona sul da capital), ‘manda’ Lucas tomar “vergonha na cara” e contar logo à esposa sobre a sobrinha. Outro ouvinte, de nome inaudível, manifesta que o certo seria o caminhoneiro “tirar o olho da menina”, comparando-o ao jogador Hulk, que deixou a primeira mulher para se casar com uma sobrinha dela.
Nas intervenções de ouvintes não faltou voz masculina exortando Lucas a mostrar “quem é que manda em casa”. Somente assim, poderia mandar a babá embora” sem dar a menor satisfação à esposa. Já Adriano, morador do bairro do Cristo (João Pessoa), vê tentações do demônio personificadas na história. Tentações que Milton, dos Bancários, outro bairro da capital, botou na conta de vestimentas “indecentes” que a jovem estaria usando.
A “cachorrinha dele”
A história contada no programa de 8 de julho veio de uma mulher de 27 anos, casada, preocupada com atitudes recentes do marido, que de repente teria ficado agressivo na cama, “com puxões de cabelo e palavras estranhas”. Já quando ela tomava iniciativa, ele se mostrava desinteressado, frio, distante. Diante da mudança de comportamento, ela aproveitou férias no seu trabalho para investigar. No histórico do companheiro na Internet, descobriu inúmeros acessos em sites que vendem ou exibem os chamados ‘conteúdos adultos’.
“Meu marido está viciado em vídeos pornográficos. E essa é a pior parte dessa história. Tem vídeo de todo jeito e de várias formas — mulher com mulher, homem com duas mulheres, mulher sendo macho, tinha até uns lá onde o tema do vídeo é ‘corno vendo mulher com outro’. Será que meu marido tem essas fantasias?”, indagou. Resolveu questionar o marido, que culpou a esposa, queixando-se que ela trabalhava demais e assim tinha pouco tempo para satisfazê-lo.
Ao relatar o drama aos ouvintes, o apresentador afirmou que ‘’toda mulher já reclama muito do tempo do parceiro”, avaliando também que ‘’o homem se anima pelo que vê; já a mulher, se anima (sic) pelo que sente”. Opinião similar a de outro homem que considerou a atitude do marido “normal”, pois todo casado buscaria estímulos ou experiências fora do casamento, “quando a mulher não quer fazer coisas diferentes”.
Um outro participante sugeriu à mulher “arrumar um amigo” para ficar com ela e o marido. “O fetiche dele é ver você com outro cara, aí depois você arruma uma amiga sua e mete no meio também, todo mundo se diverte”, completou. Em direção oposta, um terceiro ligou para a Sucesso para dizer que o marido da história precisa mesmo é de um terapeuta, considerando ainda que a mulher deve realmente dar mais atenção ao companheiro.
‘’Ela tem que tentar fazer diferente (…) ser mais aberta, tentar fazer os gostos dele”, defendeu um quarto membro do predomínio masculino que interagiu com Alisson naquela edição do programa. O caso abordado não deixou de inspirar até mesmo uma recorrente analogia com o futebol, lembrada por alguém que pareceu ser ‘do ramo’: ‘’Treino é treino e jogo é jogo. Ele só ta querendo apimentar a rotina”.
O comentário de homem mais constrangedor e depreciativo viria, todavia, no final das ligações: “O problema é que um tempo depois que casa a mulher parece a mãe do cara, faz sexo sem ter vontade, reclama de tudo e aí o marido quer inovar”. A mesma pessoa concluiu fazendo a seguinte recomendação: “Vai pra uma depilação, deixa a boquinha de bebê limpinha e cheirosinha pra ele acabar com você, pois você não é mãe dele e dentro das quatro paredes você é cachorrinha dele”.
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Pesquisas mais recentes da empresa Kantar Ibope Media colocam a Sucesso FM (92.2) entre três rádios mais ouvidas de João Pessoa. O programa ‘E se fosse você’ é o de maior audiência da emissora, que integra o Grupo Arapuan de Comunicação.
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Equipe responsável por esta apuração: Anna Athayde, Gean Santos, Janaina Barbosa, Lívia Trajano e Sabrina Farias
Supervisão: Sônia Lima